“Evening Over Potsdam”, de Lotte Laserstein
A obra acima é “Evening Over Potsdam” e foi pintada por Lotte Laserstein, em 1930. É, para Harald Jähner, autor do brilhante Vertigo, sobre a ascensão e queda da República de Weimar, que precedeu a eleição de Hitler, o melhor retrato desses anos: um grupo de jovens exauridos, após o jantar, na época do jazz frenético, da arte Bauhaus e dos excessos.
Como o Velho Continente que é, a Europa é feita de ciclos. Se, nos tempos da troika, Paulo Portas vaticinava um “cisma grisalho”, haverá agora um cisma juvenil. Para muitos jovens, tudo indica, os partidos de sempre são passado. Na Alemanha, em França, em Portugal, com uma bifurcação: as mulheres para a esquerda; os homens para a direita. São a força anímica dos partidos que hoje berram.
É o traço que melhor carateriza o populismo: o ressentimento. Serei mais preciso: as promessas incumpridas. A de que os anos a mais de estudo, pelo sacrifício dos pais, muitas vezes longe de casa, teriam um melhor salário e melhores condições de vida como fatura. No geral: incumprida. A de que a integração europeia de Portugal o tiraria, de vez, do pelotão do fundo, chegando-o para a frente. No geral: incumprida. A de que a ida para as grandes cidades traria as oportunidades.
E é isso que fere: as expectativas frustradas. Há explicações racionais para as reações mais viscerais dos jovens. Num tempo em que avistam prosperidade em qualquer perfil vizinho do Instagram. Vendo viagens chorudas por um canudo e um ecrã. Sendo crispados por vídeos feitos à medida das suas incertezas no TikTok. Numa época de experimentação tecnológica como talvez nunca houve. De novidade. Como nos anos de Weimar.
Tenho 23 anos. Outros terão mais, com piores condições. A cepa torta. Casa por encontrar, salário que contemple uma vida para lá do meio do mês, mobilidade que não custe um depósito de combustível e uma hora de trânsito, enfim; haverá ainda pior.
Tudo isto, é claro, é sabido pelos partidos que fundaram o regime em que vivemos. Sabido, mas retardado. Num país tomado pelo velho “atraso português” que é tema desde XIX, de Antero de Quental a António Sérgio, há um fator de inércia que vai além: a falta de vontade; o rame-rame; o tomar-se o garantido como suficiente, sobretudo politicamente. Pela falta de capacidade de liderança, filha do desprestígio da vida pública, e de um desígnio nacional que se resuma numa página. Que seja definitivo. Que ultrapasse o suficiente que, um dia — se esse já não foi dia 18 de maio —, será tido por insuficiente.
Por isso, vale lembrar: nenhuma grande mudança foi feita à margem dos jovens, pelo contrário. São eles que as energizam, pelo seu sangue na guelra. Portanto que se atente aos seus anseios. Aos nossos anseios, que simbolizam um país enfadado, apesar do tanto que evoluiu.
Lembrando Vasco Pulido Valente, “os portugueses só se impressionam com os factos consumados”. A boa notícia é que ainda vamos a tempo. Penso eu, com o meu pessimismo da inteligência e otimismo da vontade.
Espero eu e, inanimado, espera o regime.