O Chega ganhou no estrangeiro: afinal, os emigrantes não gostam de imigrantes?


Os resultados dos dois círculos da emigração vieram confirmar o Chega como segunda força política no Parlamento, com mais dois deputados do que o Partido Socialista. No entanto, o PS continua a ser o segundo maior partido em número de votos, tal como esclareceu o (até ao momento) candidato único à liderança do partido: «a maioria dos portugueses escolheu o PS para segundo partido».

Apesar de parecer um discurso de vitória moral, típico do treinador da equipa que perdeu o jogo mas até jogou com mais brilho do que o adversário, a verdade é que cabe a José Luís Carneiro fazê-lo. Caso contrário, sofreria ainda mais com o rótulo de líder de transição no longo e árido deserto que o PS terá de percorrer para reconquistar a confiança dos portugueses.

Convém, no entanto, esclarecer que, do ponto de vista jurídico, a figura do líder da oposição tem pouca relevância. Trata-se, sobretudo, de uma importação conveniente, sendo útil para alimentar as horas infindáveis de comentário político com que o país é brindado diariamente, mas às quais a maioria olha com pouca ou nenhuma atenção. O segundo partido mais votado tem a vantagem de interpelar primeiro o governo nos debates parlamentares, mas, como temos visto, o que mais conta atualmente não é quem fala primeiro, mas quem consegue passar melhor a mensagem e difundi-la nas redes sociais.

Não nos podemos esquecer de que André Ventura, desde que é deputado único, afirma constantemente que é o líder da oposição. Uma oposição que, segundo ele, não se limita a opor-se ao governo de turno, mas ao regime como um todo. A diferença é que essas afirmações, que antes soavam a provocação, passaram a ter um fundo de verdade — o que nos deixa naturalmente perplexos, de tão raro que é ver isso em Ventura.

O país político está em choque. Tirando aqueles que aproveitam sempre estes momentos para exibir os seus dotes de Zandinga, ninguém poderia prever uma hecatombe tão grande do PS, que não só foi relegado à condição de terceiro partido em número de deputados na Assembleia da República, como também falhou, pela primeira vez na história, a eleição de um único deputado pelos círculos da emigração.

Os socialistas estão em reflexão, a tentar perceber o que aconteceu. Alguns com imensas certezas, outros em negação, convencidos de que a receita está certa e que o gosto da maioria é que não está suficientemente apurado.

Mas, afinal, por que razão votam tantos emigrantes num partido anti-imigração como o Chega? O que explica este resultado? Será que os nossos emigrantes são contra os imigrantes?

As comunidades portuguesas no estrangeiro também sofrem discriminação. Também enfrentam dificuldades na procura de casa, no acesso à educação e no mundo do trabalho. Um relatório da Comissão Europeia de 2023 afirma mesmo que a comunidade portuguesa é, a par da população africana e afrodescendente, uma das que mais preconceito e hostilidade enfrenta no dia a dia no Luxemburgo.

No entanto, nem isso impede que, em França, seja a um restaurante português que os dirigentes do Rassemblement National chamem de “verdadeiro quartel-general”, e que muitos portugueses ou lusodescendentes acabem por confiar nesses partidos.

A resposta para este fenómeno não é óbvia e será, naturalmente, contraditória. Mas a verdade é que o produto que esta internacional de extrema-direita vende, a sua mensagem e a forma como a propaga, está a gerar uma adesão identitária a estes partidos, tal como muitos dos nossos avós ainda se deslocam às urnas para votar na «mãozinha» ou na «chaminé».

A direita radical conseguiu criar uma mensagem simples e aspiracional. Conseguiu divulgá-la em vários meios, com grande proximidade. Seja através de grupos de Facebook com centenas de membros, mensagens «reencaminhadas muitas vezes» no WhatsApp ou cartas enviadas para casa a apelar ao voto por um futuro melhor para filhos e netos. A verdade é que eles sabem chegar às pessoas.

Pessoas para quem os partidos do centro deixaram de saber falar, tanto por falta de capacidade de adaptação às novas realidades como por as terem dado como garantidas. Estão a chegar a estas pessoas com mentiras, ilusões e devaneios que, muitas vezes, roçam a chalupice. E isso pode ser frustrante para nós. Mas a frustração não nos pode toldar a visão sobre a capacidade que estes movimentos têm de passar a sua mensagem.

Na grande reflexão que o PS tem de fazer, estas dimensões devem ser compreendidas e consideradas. O partido precisa de perceber que tem de oferecer algo mais do que as conquistas do passado. A esquerda e o centro-esquerda têm de apresentar uma visão de país que contrarie estas narrativas e combata a hegemonia cultural que a extrema-direita foi construindo, através de mensagens diárias para os telemóveis dos nossos pais e dos nossos tios.

Se a esquerda e o centro-esquerda continuarem presos a lógicas de aparelho, onde o cacique ocupa o primeiro plano da ação política, e onde a discussão, o debate e a verdadeira proximidade com as pessoas são secundarizados, então só nos restará, para além de um deserto vasto e profundo, uma morte lenta e sofrida.

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