Lisboa em duas margens – Expresso



Lisboa reúne, como nenhuma outra cidade, condições especiais para se afirmar como a capital atlântica da Europa: aberta ao Mundo, acolhe — ainda e sempre — a diversidade que a procura e, a partir de instituições fortes, de uma cultura enraizada e de comunidades locais ativas, oferece uma qualidade de vida amplamente reconhecida.

Esta ambição beneficia de uma localização geoestratégica singular, de uma história feita de encontros entre povos e culturas, e de capital humano qualificado, criativo e comprometido com o futuro da cidade — elementos que reforçam a sua centralidade, o seu dinamismo económico e a sua vocação internacional.

Todavia, a Lisboa “maior” continua frequentemente a ser pensada a partir de uma lógica territorial ultrapassada — que ignora a verdadeira geografia do seu crescimento e da sua influência. Veja-se o caso da Margem Sul: com apenas o Tejo por passar, temos um território intensamente vivo, densamente povoado, mas com espaço para continuar a crescer, e cada vez mais central na dinâmica metropolitana — mas ainda assim insuficientemente integrado na visão e nas prioridades estratégicas superiores.

Lisboa, no seu todo, só poderá cumprir plenamente esse desígnio se for pensada — política e funcionalmente — como uma cidade de duas margens. Isso implica ultrapassar a fragmentação entre municípios contíguos, mas com estratégias nem sempre alinhadas, e construir uma abordagem metropolitana capaz de transformar a proximidade geográfica em coesão territorial.

Mais do que duplicar centros, importa consolidar um só espaço urbano — com articulação estratégica, corresponsabilidade política e investimentos coerentes. Uma cidade metropolitana exige políticas públicas que integrem — e não apenas coordenem — aquilo que já hoje vive, trabalha e se desloca em comum.

Sem comprometer a autonomia dos municípios, importa consolidar uma lógica verdadeiramente regional — capaz de transformar a proximidade territorial em ação coordenada. A afirmação plena de Lisboa exige políticas públicas integradas, compromissos partilhados e uma visão comum que reconheça, na Margem Sul, um território estratégico — com recursos, escala e ambição para contribuir de forma decisiva para o projeto urbano da capital.

Hoje, o arco ribeirinho a sul do Tejo não é — nem pode continuar a ser — visto apenas como o “outro lado” do rio. É uma frente urbana fundamental, com identidade própria e um papel ativo na construção de uma metrópole mais completa, equilibrada e coesa.

A Margem Sul acrescenta à cidade densidade urbana, diversidade social, capacidade habitacional qualificada, emprego e dinamismo económico, instituições científicas e formativas de referência, e uma programação cultural cada vez mais relevante — elementos que a tornam essencial à construção de uma metrópole verdadeiramente coesa, inteligente e plural.

É também um polo de conhecimento, talento e inovação com expressão internacional. Só em Almada encontram-se dois dos centros científicos mais dinâmicos do país: a Egas Moniz School of Health & Science e a FCT NOVA — Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa. Juntas, protagonizam uma nova geração de investigação aplicada — à saúde pública, à sustentabilidade, às engenharias e às tecnologias emergentes — sempre com uma ligação direta e efetiva ao território, às comunidades locais e ao contexto internacional.

Com efeito, nesta Margem Sul, estão a emergir dinâmicas que ligam ciência aplicada, inovação urbana e envolvimento das comunidades locais, afirmando este território como um espaço cada vez mais relevante no desenho da metrópole. O Almada Innovation District é um exemplo emblemático dessa transformação: um novo espaço urbano onde universidades, startups, empresas tecnológicas e habitação sustentável coexistem e colaboram, criando um verdadeiro ecossistema de inovação.

Por outro lado, toda a península de Setúbal apresenta ainda carências sócio económicas extremas, impróprias dos nossos tempos, do desenvolvimento que coletivamente pretendemos, e de geografias tão centrais aos grandes eixos da economia portuguesa.

Apesar disso — do potencial e das dificuldades —, as políticas públicas e as prioridades de investimento continuam, em muitos casos, desalinhadas com estas realidades.

Valorizar plenamente este território exige um compromisso político continuado, investimento estratégico e políticas que reconheçam o contributo singular da Margem Sul para uma Lisboa verdadeiramente metropolitana.

Os sinais recentes de atenção governamental — como a criação do Parque Cidades do Tejo, a previsão do túnel Trafaria-Algés ou o prolongamento da rede do Metro do Sul do Tejo — são passos concretos e promissores. Esta visão integrada do território, desejada também pelos municípios do arco ribeirinho, pode e deve ser a base de uma nova etapa de alinhamento político, assente na corresponsabilidade, na continuidade dos investimentos e na ambição partilhada de construir uma Lisboa à escala do seu futuro.

O que está em causa é, realmente, completar a Lisboa “maior” — pensá-la e organizá-la à escala da metrópole que já existe no quotidiano de quem a vive. Ligar margens não é apenas construir pontes e abrir túneis — embora estes sejam agora fundamentais: é também garantir ligações fluidas entre todas as partes do território, de ambos os lados do Tejo.

Isso implica mobilidade plena — entre margens e na mesma margem — com soluções que favoreçam a continuidade urbana e a integração funcional entre os municípios, permitindo o acesso real a emprego qualificado e à educação, à cultura, a habitação acessível e a serviços públicos adequados.

Estou convencido que a solução de muitos dos grandes temas urbanos do presente — como a habitação, a mobilidade e a criação de emprego — está na Margem Sul. Lisboa ganha quando cada parte se torna acessível, conectada e participante de um todo coeso.

A aposta em novas infraestruturas, em ciência aplicada e em qualidade de vida urbana mostra que uma efetiva visão metropolitana pode, finalmente, estar a ganhar forma. No novo desenho desta grande metrópole, Almada, Seixal, Barreiro, Moita, Alcochete e Montijo não são apenas as margens vistas do outro lado, são centros de conhecimento, criatividade e vida urbana — com Setúbal, Sesimbra e Palmela interligados a esta rede de oportunidades.

É isso que torna Lisboa mais forte: saber que o seu futuro se constrói a várias vozes, com vários horizontes. Ser cidade do futuro é saber crescer com quem está mais próximo. E a Margem Sul está, hoje, mais próxima do que nunca — pronta para colaborar, para inovar e para inspirar.

A Egas Moniz School of Health and Science é uma instituição de ensino superior com sede e campus na Caparica (Almada) e unidade especializada em Sesimbra.

By admin

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *