A produção de energia através de painéis solares é um dos caminhos para a transição para uma economia de carbono zero. Embora os painéis fotovoltaicos tenham um tempo útil de vida de 25 a 30 anos, investigadores estimam que os seus resíduos alcancem 88 milhões de toneladas até 2050. Para criar uma verdadeira economia solar circular e recuperar os materiais valiosos na constituição destes painéis, um projeto europeu desenvolveu um método inovador de reciclagem.
Atualmente, um painel solar é triturado quando atinge o fim de vida, o que impossibilita a recuperação de materiais como a prata ou o vidro. “A nossa abordagem consiste em obter uma reciclagem de alta qualidade para obter metais e materiais de elevado valor, incluídos nos painéis fotovoltaicos”, afirma Manfred Spiesberger, líder do projeto PHOTORAMA no Centro de Inovação Social (ZSI), na Áustria.
A equipa de investigadores desenvolveu um processo inovador que envolve a delaminação para separar as camadas dos painéis solares através de jatos de água, corte com fio diamantado e luzes flash. “Podemos separar os metais e extrair, por exemplo, prata, índio, gálio e silício. Depois, são refinados e podemos obtê-los com uma pureza muito elevada, de 98% a 99%. Com estas purezas elevadas, é possível reintroduzi-los no ciclo industrial para aplicações de elevado valor”, diz.
“Temos de sensibilizar as pessoas para o facto de que todos estes materiais são matérias-primas secundárias, o que nos ajudará a reduzir a nossa dependência [de terceiros] e a reduzir os custos”, salienta Manfred Spiesberger. Cerca de 75 toneladas de vidro recuperado destes painéis já foram reutilizadas na produção de novos objetos.
Recentemente implementaram na Alemanha, na empresa LuxChemTech, o primeiro centro piloto para demonstrar estas tecnologias. “Vieram empresas de reciclagem e institutos de investigação, por isso está a tornar-se um tema relevante e não foi necessário fazer muita publicidade para esta visita”, revela.
“Demonstrámos a circularidade total da cadeia de valor da energia solar”, garante Manfred Spiesberger. Desde um produtor de painéis solares, a um centro de recolha de resíduos fotovoltaicos até a empresas refinadoras de vidro e metal, o projeto englobou um consórcio de várias empresas e centros de investigação na França, Espanha, Itália, Áustria, Alemanha, Bélgica e Noruega. Através do programa da União Europeia, Horizon 2020, recebeu mais de oito milhões de euros.
Como surgiu a ideia de criar o projeto PHOTORAMA?
É um problema instalarmos painéis solares, mas não pensarmos no que acontece quando chegam ao fim da sua vida útil e são desperdiçados. Em média, um painel solar funciona durante 25 a 30 anos, é um período bastante longo, mas a dada altura tornar-se-ão resíduos. Há ainda a possibilidade de reutilização, mas a dada altura vai ser preciso reciclá-los. Dentro dos painéis fotovoltaicos, existem muitos materiais valiosos, críticos, alguns dos quais, efetivamente, precisamos para a nossa economia. Por exemplo, há o silício, que é o principal metal incluído nos painéis solares para gerar energia, mas também há a prata, há metais muito raros como o índio e o gálio.
Atualmente, como são reciclados os painéis solares?
As práticas acuais de reciclagem de painéis fotovoltaicos consistem em retirar a moldura de alumínio em redor do painel fotovoltaico, o que é muito fácil de fazer, e o alumínio pode ser facilmente reciclado. Depois, há uma caixa de derivação para o ligar à rede, que tem cobre no interior. Estes [materiais] podem ser facilmente reciclados, recuperados e reintroduzidos no ciclo económico, mas é mais complicado com os metais que estão incluídos diretamente no painel. Como tal, atualmente a maioria [dos painéis] vai para aterros, é descartada, o que é realmente uma pena porque a prata tem valor, poderíamos reutilizar o silício, do qual precisamos, e também dos metais mais raros, como o índio e o gálio, que são importados. Por isso, para a Europa, penso que isto é muito importante e foi essa a nossa ideia: ter uma abordagem circular sobre toda a energia solar.
Qual é o objetivo do PHOTORAMA?
A nossa ideia era garantir a circularidade para reintroduzir, recuperar os materiais dos painéis fotovoltaicos e reintroduzi-los com elevada qualidade e pureza no ciclo industrial. Desta forma, permitimos uma economia circular, garantimos que reciclamos os materiais que temos e evitamos danos para o ambiente porque, em alguns painéis fotovoltaicos, há também cádmio ou chumbo em quantidades muito pequenas. Não devemos descartá-los como está agora a acontecer.
Como funciona a tecnologia desenvolvida?
Desenvolvemos diferentes tecnologias para o que chamamos de delaminação. O primeiro passo é a desmontagem, em que se retira a moldura de alumínio e a caixa de derivação, que são processos fáceis e que já acontecem atualmente. Mas desmontar o painel, separar o vidro e os plásticos é muito mais complicado e este processo foi desenvolvido por nós, para podermos aceder aos metais com elevada pureza. Essa é a essência do nosso trabalho.
Das tecnologias de delaminação, a mais promissora é um jato de água. Temos um jato de água com uma pressão elevada que aplicamos no vidro do painel fotovoltaico e podemos retirar os plásticos e os metais. Assim, é possível separar o vidro, obtendo-se um vidro limpo, que vai para a reciclagem. Os recicladores de vidro estão muito satisfeitos com isso, porque se houver um vidro para reciclar, é precisa muito menos energia para produzi-lo do que se compararmos com a produção a partir do zero.
Temos o vidro, temos uma mistura de plásticos e de metais que tem de ser separada e, com as nossas tecnologias, conseguimos fazê-lo.

Jatos de água separam as camadas do painel fotovoltaico
Jadranko Marjanovic | ©PHOTORAMA-EU project ©European Union, 2025
De que forma conseguem reduzir a pegada carbónica?
Por exemplo, comparando a produção de vidro novo com a do vidro reciclado, o custo da energia diminui enormemente. Esta é a razão pela qual as empresas produtoras de vidro estão muito interessadas em obter este tipo de vidro limpo que pode ser reciclado. Penso que reduz o custo da energia em pelo menos um terço, se compararmos com a produção de raiz. Trata-se, obviamente, de um custo enorme, se tivermos em conta o aumento dos preços da energia nos últimos anos, e é um enorme fator de custo para as empresas.
Mas também a recuperação de metais reduzirá a pegada de CO2, porque se fizermos a extração destes metais raros, do índio e do gálio, será sempre mais intensa em termos de CO2 do que se já tivermos um metal que existe e pode ser reciclado. Com a extração inicial é necessário, muitas vezes, importá-los de longas distâncias e há que considerar os custos de transporte. Por isso, a pegada de CO2 será certamente reduzida com a reciclagem.
Por que motivo é importante reciclar os painéis fotovoltaicos?
Em parte, também é uma questão ambiental. Não devemos descartar os painéis fotovoltaicos, que contêm alguns materiais perigosos. Trata-se também de uma questão de política pública de saúde. É também uma questão de política pública de segurança porque estamos dependentes de alguns destes materiais, como o índio ou o gálio, que são importados de outros países do mundo, e especialmente no caso dos metais raros têm poucos fornecedores. Por isso, é importante que nos tornemos mais independentes no nosso fornecimento de matérias-primas e a Comissão Europeia está certamente a ir nessa direção, mas temos de pensar de forma mais ampla e sensibilizar também os cidadãos para o facto de estes processos de reciclagem não serem apenas questões económicas e comerciais, mas verem-nos numa perspetiva mais ampla. Trata-se de uma questão ambiental, pode ser uma questão de saúde, pode ser um assunto de segurança. Como tal, é muito importante ter uma visão mais alargada sobre este tema.
Qual é o maior desafio de reciclar os painéis fotovoltaicos?
Em certos países, se houver uma grande instalação, compram a um determinado fornecedor, mas noutro país, o fornecedor pode ser diferente. Por isso, é um grande desafio saber o que está incluído nos painéis, quais são os materiais e de que forma estão integrados. Também tentámos trabalhar a legislação geral e pressionar para que o design destes painéis seja mais bem regulamentado a nível europeu, para sabermos que tipo de painéis serão tratados no futuro. De momento, temos uma grande variedade de painéis, são mais de 100.000 tipos de painéis diferentes, o que é imenso. Com tamanhos e formas diferentes, o que constitui um enorme desafio para a reciclagem dos painéis fotovoltaicos.
Já conseguiram reintroduzir os materiais recuperados na cadeia de valor?
Foram produzidas várias toneladas de vidro limpo, após o processo de reciclagem com o nosso equipamento, que foram depois tratadas pelo nosso parceiro de reciclagem de vidro, Maltha, sediado na Bélgica, e trabalharam com a empresa produtora de vidro Saint-Gobain. A partir daí, produziram, de facto, vidro novo.
Quanto aos metais, mostrámos que podemos produzir prata com um grau de pureza muito elevado e também índio e gálio com um grau de pureza elevado. Temos no nosso consórcio uma empresa sediada na Áustria, que está a produzir peças de prata, de índio e de gálio para aplicações industriais, como por exemplo, para a indústria espacial ou para qualquer outra com aplicações de valor realmente elevado. Demonstraram que estes tipos de materiais podem ser reintroduzidos no ciclo industrial em aplicações de elevado valor.
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