Como combater a solidão dos idosos? Com arte e música nas suas casas “como se fosse uma grande sala de espetáculos”



A democratização do acesso à cultura é um desafio. Desde os obstáculos físicos aos impedimentos geográficos ou económicos, nem todos conseguem assistir a um teatro a um concerto. Para combater a solidão e isolamento na velhice, um projeto levou a cultura aos terraços e salas de estar dos idosos.

Um casal pediu para ouvir acordeão e ver um espetáculo de dança. A equipa do projeto Palco em Casa reuniu os dois artistas e no dia combinado montaram o espetáculo. Mas quando chegam à casa do casal, a senhora não se levanta da cama há vários dias. “Entrei com a guitarra, comecei a cantar” e “expliquei-lhe que tínhamos uma bailarina, mas que não se tinha de levantar, ela dançava ali no quarto”. “Só que a música faz milagres e em cinco minutos ela estava em pé. Ao fim de meia hora, ela estava a dançar, isto é algo de extraordinário”, recorda Raquel Gomes, coordenadora do projeto.

“Nós não queríamos ir lá com uma guitarra e cantar a Laurindinha, queríamos dar-lhes o melhor que tínhamos”, afirma. Por isso, cada idoso podia escolher aquilo que queria assistir, desde um concerto de violoncelo ou de harpa, ao bailado, teatro, pintura ou até poesia. Durante alguns meses, a equipa do Palco em Casa deu-se a conhecer aos idosos para criar o melhor espetáculo possível. Montavam um palco, colocavam luzes, eram afixados cartazes e havia bilhetes distribuídos pela família, amigos e vizinhos, “como se fosse uma grande sala de espetáculos”, mas tudo de forma gratuita para o idoso.

Esta grande produção servia para os idosos “perceberem realmente que era algo especial e muito cuidado e que eles mereciam isso, porque muitas vezes, diz-se ‘coitaditos, também já estão com alguma idade, já estão para ir’, mas isto dignificava a idade e tudo o que eles têm ainda dentro deles”. Quase 90% dos idosos disseram sentir-se mais felizes e com mais qualidade de vida por participarem nesta iniciativa, segundo o relatório de impacto.

O projeto desenvolvido pela Sociedade Artística Musical de Pousos (SAMP) surge de um projeto anterior, Novas Primaveras, no qual levavam música às intuições para a terceira idade e domicílios de idosos. “Há 20 anos, tomámos consciência de que é importante que a música e a arte cheguem a todos e não só àqueles que podem e têm acesso”, explica. Quando visitam as casas, aperceberam-se da solidão e isolamento dos idosos, o que conduziu à elaboração de um “projeto diferente”, o Palco em Casa.

Começaram pelas aldeias em Pedrógão Grande e Figueiró dos Vinhos, que tinham sido afetadas pelos grandes incêndios de 2017, o que aumentou ainda mais o isolamento. O projeto arrancou durante a pandemia, um azar que se revelou uma mais-valia para os idosos. “Realmente, diziam que a sociedade que os tinha abandonado e nós sentíamos as pessoas a morrer de solidão”, explica Raquel Gomes.

Após esta experiência, como as pessoas “estavam muito recetivas”, decidiram ampliar o projeto e alargar a outros municípios, abrangendo 13 localidades em Ansião, Condeixa-a-Nova, Leiria, Pombal e Porto de Mós. “Foi muito impactante não só para os idosos, mas também para nós e para os artistas convidados. O acordeonista dizia: eu já toquei para milhares de pessoas, mas eu nunca senti, o que senti nesta casa, a tocar para dois idosos, isto vale por tudo. Também é sensibilizar os músicos de que não é preciso terem grandes palcos para se sentirem preenchidos”, conta a coordenadora do projeto.

DR

Embora os espetáculos fossem individualmente personalizados, os habitantes assistiam às exibições uns dos outros, devido à pouca população na aldeia. No final destes eventos, havia uma arruada durante um fim-de-semana na aldeia em articulação com as associações culturais daquele local. É uma forma de “também partilhar estas boas práticas com a esperança de que a banda, que era dali de perto, fizesse ou desenvolvesse atividades nestas aldeias”. Houve até uma autarquia que ao ver esta animação, “começou a fazer mais eventos [na aldeia], começou a desenvolver, a limpar mais o espaço e a cuidar mais daquelas pessoas”.

Houve ainda a preocupação de sensibilizar a comunidade para continuar a manter as aldeias ativas. Houve “uma audição de violino, e como o professor esteve envolvido num dos concertos, eu perguntei-lhe por que não se fazia a audição ali [na aldeia], em vez de fazer uma audição na SAMP. Vieram as famílias até aqui, foi diferente, gostaram e agradou aos idosos”, lembra Raquel Gomes.

Atualmente, o projeto já não está ativo por ser bastante dispendioso, mas deste “nasceu outro mais pequeno”. Em algumas localidades, que integraram o Palco em Casa, implementaram a iniciativa Sons na Eira, no qual gravam profissionalmente os sons da aldeia, apresentando-os num espetáculo à população e oferecendo-os a museus. “Isto são projetos mais pequenos e mais em conta, que os municípios podem apadrinhar de alguma forma para tentar que [os idosos] não se sintam abandonados”, afirma.

A ajuda imprescindível dos fundos comunitários

O projeto Palco em Casa desenvolvido pela Sociedade Artística Musical de Pousos, em conjunto com a Câmara Municipal de Leiria, a Câmara Municipal de Ansião, a Câmara Municipal de Pombal, a Câmara Municipal de Porto de Mós e a empresa Critical Software. Recebeu o apoio do Portugal Inovação Social, através do qual recebeu do Portugal 2020 cerca de 64 mil euros, dos quais cerca de 54 mil euros provieram do Fundo Social Europeu.

Este apoio permitiu expandir o raio de ação da iniciativa e ter mais profissionais alocados a esta. “Foi vital estes fundos terem vindo para conseguirmos implementar o projeto”, sem estes “não tínhamos hipótese”, garante Raquel Gomes.

Conhecer ideias que contribuem para uma Europa mais competitiva, mais verde e mais assente em direitos sociais são os objetivos do projeto Mais Europa.

Este projeto é cofinanciado pela Comissão Europeia, sendo todo o conteúdo criado, editado e produzido pelo Expresso (ver código de conduta), sem interferência externa. A Comissão Europeia não é responsável pelos dados e opiniões veiculados.

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