Se não é certo que a Rússia perdeu a guerra, é pelo menos óbvio que em três anos não a ganhou. O que, para uma força nuclear, um dos maiores exércitos do Mundo e uma suposta potência (global ou regional) deve ser visto como uma derrota. Mesmo olhando para a violência dos ataques dos últimos dias, é evidente que a Rússia, se fosse o poder militar que é suposto ser, não deveria estar onde está nesta guerra passado este tempo todo. Uma coisa é ficar congelada num conflito com forças de guerrilha escondidas no meio das montanhas. Outra coisa é estar a ser travada por umas Forças muito menores, menos experientes e menos armadas. Mesmo que apoiadas pelo Ocidente.
Se a conclusão sobre onde estamos ao fim de 3 anos for que a Rússia, mesmo que ganhe território, perde este conflito e perde reputação militar, o que é que se conclui daí relativamente ao risco que Moscovo representa para o resto da Europa, e à sua influência no mundo? A tese de que em breve estará em condições de atacar um país europeu membro da Nato será verosímil? Alguns dos que acreditam que não, evocam, precisamente, esta não vitória para presumir que Moscovo não se arriscará a um novo confronto, desta vez com um país da NATO. Será um cálculo razoável?
Do que ouvimos e lemos dos países nórdicos e bálticos, mas também da Alemanha, a convicção parece longe de ser essa. Uns e outros soam como quem acredita que a ameaça de guerra, no sentido convencional, existe. O fim da guerra da Ucrânia poderia ser o começo da preparação da próxima guerra da Rússia, nesse cenário. E os termos do fim da guerra ditariam a vontade, ou não, de a Rússia voltar a atacar. O que faz de qualquer acordo de paz na Ucrânia uma negociação sobre a segurança da Europa.
Seja como for, e a alternativa não é irrelevante, a ameaça russa à Europa não precisa de evoluir para ser séria. Os ciberataques, as sabotagens a cabos submarinos, a interferência no espaço público e em eleições são uma forma de ataque não declarado, com consequências desestabilizadoras e sem risco de confronto físico, por enquanto. Mas são guerra. E já estão a acontecer.
Uma situação ou outra pedem respostas distintas em meios, homens e equipamentos. De resto, e apesar da importância dos carros de combate, dos aviões e das defesas antiaéreas, desde há muito que a guerra na Ucrânia tem tanto de convencional como de moderna, com uso de equipamentos, como drones, que não tinham sido experimentados nem faziam parte dos arsenais habituais.
Estas diferenças importam para o cálculo europeu sobre o investimento em defesa. Da mesma maneira que a volatilidade e incerteza americanas sugerem que alguma autonomia face a Washington, inclusive tecnológica, é indispensável. Mesmo sem quebrar a relação transatlântica ou precipitar o fim da NATO, que não nos interessa. Mas isso não se constrói num par de anos. E não pode ter como resultado nem a multiplicação de diferentes equipamentos nacionais para cada Estado europeu, nem a criação de uma indústria militar apenas dos grandes países. Até por razões óbvias de segurança.
Estas discussões contam, ainda, para outra: a batalha da opinião pública. Nada disto se fará com sucesso sem o apoio dos cidadãos, dos eleitores. E isso ainda complica mais as coisas. E impõe que seja uma conversa que não pode ser tida apenas em Bruxelas e entre capitais. Se os eleitores não acreditarem na ameaça di-lo-ão com os votos.
Entretanto, está em curso um debate europeu, mais entre quem decide do que na sociedade, sobre a viabilidade de ter, ou não, ao mesmo tempo, investimento no Estado social e em Forças Armadas. Quem diz que sim, que é possível, e quem diz que não, que há que fazer escolhas, mesmo que não tenham de ser dolorosas, parece fazê-lo mais com ideologia, de ambos os lados, do que com dados. Mas discussão terá de ser pública e terá de ser feita com mais do que predisposições ideológicas.
Estamos a atravessar uma transformação profunda da nossa ordem, de como nos defendemos, de quem e com o quê. É melhor que a façamos com ponderação e discussão pública. Mas depressa.